segunda-feira, outubro 1

Projeto S.O.S Algas

Catadoras de Algas

Leia aqui reportagem da revista Globo Rural sobre o projeto S.O.S Algas, publicada em maio de 2006.
Texto: Janice Kiss

Dona Chinha é o apelido de Maria Marques de Castro, que há 25 anos trocou a terra pelo mar. Ela passou um terço da vida plantando milho e feijão em Canaã, distrito de Trairi, a 137 quilômetros de Fortaleza. Mas não hesitou em mudar para o distrito próximo de Flecheiras, seguindo o marido pescador que vivia contrariado na lida de produtor.

Fez a alegria dele e encontrou a própria, transformando-se em agricultora do mar. Aos 70 anos, Chinha é a integrante mais velha de um projeto do Instituto Terramar. Sete anos atrás, a organização não governamental cearense implantou uma pesquisa pioneira de cultivo de algas gracilárias (Gracilaria birdiae) em Flecheiras e no vizinho Guajiru.

Nesse canto no norte do litoral do Ceará, os maricultores punham em risco a sobrevivência dessas plantas de água salgada que têm seu valor num gel - o ágar - usado como matéria-prima nas indústrias alimentícia, farmacêutica e cosmética. Como todas as outras pescadoras, Chinha retirava o produto que costuma ficar grudado aos bancos naturais, como pedras e corais. E de preferência naqueles mais próximos à praia pois, mesmo perto do mar, ela nunca se atreveu a nadar. "Vivo da água, mas prefiro manter os pés firmes no chão", diz.

Sem muito entender, ela engrossava o coro de um processo extrativista desenfreado de mais de 30 anos e que causou a queda de 70% na produção da planta por lá apelidada de macarrão, em razão de seu formato. Junto com as algas, foram-se embora também os peixes que dela se alimentam.

O presidente da APAFG - Associação dos Produtores de Algas de Flecheiras e Guariju, Raimundo Nonato Nunez, afirma que camarão, lagosta, sirigado e outros pescados desapareceram dali. Mas só até o Terramar unir o cultivo das algas à preservação do ecossistema. À frente da ONG, o engenheiro de pesca Dárlio Teixeira não desanimou com a costumeira resistência a mudanças.

Afinal, ele tinha para mostrar aos pescadores os resultados de uma experiência similar feita no Chile, de onde vem boa parte das algas consumidas no Brasil. Porém, o xeque-mate veio na hora da comercia- lização: cinco reais pelo quilo da planta cultivada, contra 50 centavos pela mesma quantidade colhida de forma extrativista.

Vida Nova
O salto no preço aconteceu porque desde 2001 passaram a entregar o
material mais limpo. "As retiradas dos bancos naturais são sujas de areia e lodo", esclarece Teixeira. Bem antes desse momento, Pedro Edvan dos Santos e a sorridente esposa Marta se deram conta de que o futuro da nova atividade dependia da acolhida da nova tecnologia.

Ao lado de outros pescadores, eles aprenderam que, a cada dois meses e durante as marés baixas (nas luas cheia e nova), acontece a colheita da plantação e dela se faz a reserva de boas mudas, reunidas em montinhos de 60 gramas. São, então, amarrados em seis módulos, cada um com 12 cordas de 50 metros, fixadas em garrafas plásticas, que permanecem em alto-mar. A coleta dos últimos seis meses somou mil quilos de gracilárias, ou cerca de 250 quilos do produto seco.

Duas ou três vezes por semana, uma turma se põe à trabalhosa operação de faxina. O sacolejo da jangada não intimida algueiras e pescadores, que mergulham a uma profundidade de 12 metos na maré alta e se equilibram apenas na incessante batida de pernas. Enquanto homens seguram as exarcadas cordas, as mulheres retiram com as mãos resíduos, camarões e sirigados que se emaranham nas algas. Por enquanto, as estruturas de corda são comunitárias, mas a intenção é que cada família tenha a sua própria.

Com a implantação do projeto, Raimundo Nunez deixou de crer que multiplicação que a multiplicação dos peixes é apenas uma passagem bíblica. Anos atrás, um bom dia contabilizava 15 quilos de pescado. Agora, o volume pulou para 40 quilos. "Até a lagosta, que sumiu do mapa, dá o ar da graça", compara. Segundo Dárlio Teixeira, a planta influencia na quantidade porque faz parte da cadeia alimentar marinha.

Como em qualquer cultivo na terra, toda mão-de-obra é bem-vinda durante a colheita na água. Nessa época, as famílias se juntam na associação dos moradores à espera da chegada das algas transportadas em lombo de boi e ainda presas nas cordas que pesam mais de 200 quilos, por conta das plantas e da água salgada.

Sentadas no chão, as algueiras se dedicam pacientemente a soltar as gracilárias com uma faquinha. "Essa função é delas por causa do capricho", reconhece Pedro Edvan.

Limpeza
Em meio aos "causos" engraçados de dona Chincha, elas dão andamento ao processo de limpeza que inclui diversas lavadas (até com limão) para tirar o cheiro forte do produto. As algas ficam então três horas em um secador solar construído pelo IDER - Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Energias Renováveis.

O trabalho é pesado, mas os pescadores podem ganhar até 300 reais mensais contra os 60 reais vindos do extrativismo. "Pode parecer pouco, mas graças à tecnologia reformei a casa, comprei equipamentos de pesca e estou fazendo um barco maior para trabalhar em alto-mar", diz Raimundo Nunez. Os produtores atendem quatro indústrias nordestinas e a expectativa é de abastecer 30 empresas nos próximos anos.

O projeto cearense já foi levado ao Rio Grande do Norte e Paraíba pela FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. A GTZ, agência ambiental do governo alemão, também se interessou pelo programa e investiu 50 mil reais para aperfeiçoar os equipamentos de produção. Com o reconhecimento internacional, pescadores e algueiras não se intimidam em sugerir que o país tem condições de reduzir a dependência da gracilária importada se experimentar a tecnologia de suas pequenas comunidades.

Mil e uma utilidades
As algas têm um gel (ágar) valioso, que entra na composição de inúmeros produtos. Ele é um ingrediente indispensável na fabricação de artigos em três tipos de indústrias:

Farmacêutica: medicamentos
Cosméticos: xampus e sabonetes
Alimentícia: geléias, balas e doces em geral

Coisa do passado
O Instituto Terramar implantou o cultivo de algas, mas não contava com que as agricultoras do mar fossem dar um jeito de tirar mais proveito do projeto. Marta dos Santos viana, por exemplo, elaborou um punhado de receitas - gelatinas e musses são algumas delas - com a água usada para o cozimento das algas. Descobriu que seus pratos ficavam mais ricos em fibras por conta do gel (ágar) presente na planta.

Depois inventou moda. Com o apoio da filha, criou objetos de artesenato e bijuterias, vendidos na lojinha montada na frente de casa. E com as outras algueiras deu início à fabricação de xampus e sabonetes, submetidos a um processo de avaliação. "Nosso sonho é ter uma loja de cosméticos com venda direta ao consumidor", planeja Marta.

No projeto das comunidades de Flecheiras e Guajirú está está incluída a construção de uma sede, que abrigará todas as etapas de produção do plantio e dos produtos de beleza. Dessa forma, a associação dos pescadores espera atrair a atenção dos turistas para a importância dessa tecnologia. De acordo com o pedagogo e assistente técnico do Terramar, Henrique Gomes, as famílias se uniram no entorno da técnica.

Hoje, por exemplo, os participantes discutem metas de trabalho. "Algo remoto tempos atrás", afirma. É certo que os pesquisadores ainda estão na labuta por conseguir recursos financeiros para a construção da tão desejada sede. Porém, carregam a convicção de que o extrativismo pertence apenas ao passado.

2 comentários:

Laurita Alves Luz Casagrande disse...

Gostaria de saber como adquirir estas algas, Já usei. Foram muito boas para mim. Parabéns pelo projeto. Não sei se ainda existe

Unknown disse...

Parabéns pelo projeto. As algas possuem um potencial de aplicação enorme em diversas áreas...